segunda-feira, 31 de março de 2008

Por não estarem distraídos...


Aproveitemos os momentos de AMOR!!!
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como
quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por
admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de
antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.

Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam
para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria
da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam,
e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras
- e ao toque brilhava o brilho da águadeles, a boca ficando
um pouco mais seca de admiração.

Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não.
Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles.
Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas.
Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.

No entanto ele que estava ali.
Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas,
e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso.
Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos.
Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham.
Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca,
e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca,
o deserto da espera já cortou os fios.

Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.


(Clarice Lispector)

Um comentário:

Anônimo disse...

Realmente esta é a mudra mais bonita!